(*) Por Carlos Alberto Nascimento e Silva Pinto
Um documento interno e sigiloso da Receita Federal, que solicitava a abertura de ação fiscal em contribuinte com grande exposição pública, motivada pela constatação de indícios de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e tráfico de influência, foi vazado para a imprensa.
O vazamento de informações de investigações em pessoas públicas tem sido frequente nos últimos anos, mas desta vez se verifica uma diferença relevante: apresenta como pessoa pública envolvida um ministro da mais alta corte de nosso Poder Judiciário.
A reação do envolvido foi imediata, tendo angariado inicialmente proteção do Presidente do STF, afirmando que investigações criminais transbordariam o rol de atribuições dos auditores fiscais.
Importante, neste momento de tantos comentários polêmicos e opiniões sobre o assunto, dizer-se o óbvio, levando-se em conta, sempre, que a lei deve valer para todos: a abertura de investigação sobre a quebra do sigilo de documento interno da Receita Federal é um procedimento natural. E mais: estas informações não podem ser expostas ao público, e isso não apenas para proteger o sigilo do contribuinte, como também pelo risco de comprometer a própria ação fiscal, permitindo ao contribuinte ações preventivas que podem dificultar a efetiva comprovação dos ilícitos cujos indícios foram constatados.
Outra questão bem diferente é questionar a produção de provas oriundas de ações fiscais em processo de apuração de ilícitos tributários.
Neste momento, mostra-se necessário esclarecer a sociedade acerca das funções da Receita Federal e das atividades dos Auditores Fiscais.
Os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Autoridades Tributárias, no exercício das atividades de fiscalização de contribuintes e combate a ilícitos fiscais, desempenham um papel fundamental na detecção e identificação de lavagem de dinheiro e demais crimes econômicos, incluindo a corrupção de agentes públicos.
A própria Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE desde 2009 estimula as autoridades fiscais a identificar indícios do crime de lavagem de dinheiro no decorrer de procedimentos normais de inspeção fiscal. (1)
Esta orientação é baseada nas práticas fiscais. A verificação da escrituração contábil, dos dados bancários e das operações societárias de contribuintes por vezes permite constatar, em tese, a prática destes crimes, que são objeto de Representações Penais para o Ministério Público e podem resultar na condenação dos indivíduos envolvidos.
As atividades de repressão à lavagem e ocultação de bens, direitos e valores é inclusive uma das finalidades da Receita Federal, tendo esta buscado cada vez mais capacitar os Auditores Fiscais para estas atividades.
O esforço já produziu muitos frutos. Inúmeras persecuções penais referentes a estes crimes se originaram de representações penais ao Ministério Público, decorrentes de ações fiscais efetuadas por auditores.
Destaca-se ainda que a Receita Federal participa com regularidade de operações com este objeto, realizadas em conjunto com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal.
A Operação Lava-Jato é um grande exemplo de operação conjunta que contou com participação decisiva de Auditores Fiscais da Receita Federal.
Antes mesmo da deflagração ostensiva da Operação, ainda em 2014, Auditores Fiscais confeccionaram dossiê contendo provas de que Paulo Roberto Costa e seus familiares estavam envolvidos na lavagem de milhões de reais oriundos da Petrobrás.
Estas provas, obtidas por meio do cruzamento e análise de dados internos da Receita Federal, foram fundamentais para os desdobramentos da Operação Lava-Jato, conforme exposto pelo próprio Ministério Público Federal. (2)
A Receita Federal, em sequência, criou a Equipe Especial de Fiscalização Operação Lava Jato, composta por auditores fiscais especialistas em rastreamento de recursos, interposição de pessoas, fraudes fiscais e lavagem de dinheiro. Estes Auditores Fiscais, entre 2015 e 2018, realizaram 2.971 procedimentos fiscais, que resultaram na cobrança de dívidas fiscais no valor de R$ 17,88 bilhões e na descoberta de novos ilícitos. (3)
Neste momento, em que uma importante figura pública, que compõe a instância máxima do Poder Judiciário deste País, contesta as atividades dos Auditores Fiscais que resultam em persecuções penais, é fundamental esclarecer que tais atividades são fundamentais para o desenvolvimento do País, e os Auditores Fiscais são atores relevantes deste processo.
O cargo público ocupado pelo contribuinte não pode ser fato impeditivo ou limitador das atividades de combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro desempenhadas pelos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil.
(*) Carlos Alberto Nascimento e Silva Pinto é Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e presidente do Sindifisco Nacional – DS Florianópolis/SC.
(1) ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO. Manual de Sensibilização dos Inspectores Tributários para o Branqueamento de Capitais. 2009. Disponível em <http://www.oecd.org/ctp/taxcrimes/laundering>. Acesso em 14/02/2019.
(2) <http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/atuacao-na-1a-instancia/parana/investigacao/historico>. Acesso em 21/02/2019.
(3) <http://receita.economia.gov.br/sobre/acoes-e-programas/operacao-deflagrada/operacoes-e-acoes-realizadas/operacao-lava-jato>. Acesso em 21/012/2019.
0 comentários