Após um longo período de espera, no que foi o maior lapso entre certames da história recente do cargo (quase nove anos), finalmente foi publicado, no Diário Oficial da União datado desta segunda-feira (5), o Edital RFB nº 1, de 2 de dezembro de 2022, tratando do concurso público para provimento de 230 vagas de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
Faz-se necessário, antes de tudo, tecer breve comentário sobre a exiguidade das vagas oferecidas no certame. Segundo informações extraídas de relatórios da própria instituição, nos últimos 10 anos houve um decréscimo no número de autoridades fiscais de quase 40%, passando de 12.158 Auditores-Fiscais em janeiro de 2012 para 7.639 em novembro de 2022, ou seja, a Receita Federal perdeu dois quintos da força de trabalho de seu principal cargo em uma década, mesmo considerando a também ínfima quantidade de Auditores contratados no último concurso, em 2014. As 230 vagas abertas pelo atual certame se prestam a repor a quantidade de colegas que deixaram a atividade somente de um ano para cá. Foram, contudo, as vagas autorizadas por intermédio da Portaria ME/SEDGG nº 5.238/2022, logo a presente manifestação objetivará focar nas falhas grosseiras presentes nas partes do documento que estiveram sob a esfera de governança da instituição.
Inicialmente, causa assombro a referência à Carreira Tributária e Aduaneira da Receita Federal do Brasil mesmo que a própria Corte Constitucional do País tenha se manifestado, há quase três anos, pela “exegese de que os cargos […] da Receita Federal do Brasil configuram carreiras distintas que não se confundem” e externando que o “texto normativo impugnado não guarda conformidade e convergência com [a] carga semântica constitucionalmente estabelecida para a palavra carreira” (Acórdão STF de 20/04/2020 – ADI nº 5.391/DF). A cúpula do órgão, assim, segue desobedecendo de forma flagrante o entendimento da instância máxima do Poder Judiciário nacional, motivando o repúdio desta entidade sindical.
Dando seguimento às surpresas negativas constantes no documento publicado, constatou-se, em ato inédito, o lançamento de um edital único contemplando duas carreiras da instituição. Frise-se que entre 1969 e 2014 foram publicados 27 editais de concurso público para Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (e categorias que deram origem às atuais autoridades fiscais, como Técnicos de Tributação, Fiscais de Tributos Federais, Fiscais de Contribuições Previdenciárias e Controladores da Arrecadação Federal) e, destes, não houve uma sequer oportunidade de certame aberto ao público externo que tratasse de mais de um cargo no mesmo edital.
A próxima crítica a ser feita tange à quantidade de provas objetivas a serem aplicadas para aferir a capacidade intelectual dos candidatos, limitada a duas, em mesmo número (inclusive de questões) fixado para o segundo cargo. À exceção do concurso de 2014, que teve peculiaridades atreladas ao curto tempo disponível para execução, os últimos 10 certames (2012, 2009, 2005, 2003, três concursos em 2002, incluindo o de Auditor-Fiscal da Previdência Social, 2000, 1998, 1996) instituíram três provas objetivas para avaliar os candidatos, o que é condizente com o alto nível que se espera de quem queira ser alçado à condição de autoridade de Estado com a complexidade das atribuições da carreira. Ademais, ao utilizar apenas duas provas, ocorre uma redução no número de questões disponíveis por disciplina, ocasionando a esdrúxula situação de termos, no atual concurso, matérias com apenas seis questões.
Aproveitando a temática das disciplinas, outros erros graves constantes no edital fazem referência às matérias fixadas para o certame. Os maiores equívocos estão explicitados abaixo:
1) Houve a retirada arbitrária das disciplinas de Direito Empresarial, Direito Civil e Direito Penal, em completo descompasso com o que costuma ser cobrado em outros Fiscos, com o histórico dos concursos da carreira e com a condição de aplicador do direito reconhecida aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil há pelo menos 15 anos (Pedido de Providências CNJ nº 1.438/2007). Exemplificando-se, as matérias de Direito Empresarial e Direito Civil estiveram presentes em 22 dos últimos 27 concursos entre 1969 e 2014 (mais de 80% do total), o que demonstra a relevância de tais conhecimentos para as atividades exercidas pelos integrantes do cargo.
2) Somente três matérias (Direito Tributário, Contabilidade Geral e Língua Portuguesa) estiveram presentes em todos os 27 últimos certames entre 1969 e 2014 e todas tiveram sua relevância reduzida se comparadas aos concursos anteriores. Especificamente quanto à Contabilidade, preocupa a reestruturação da disciplina para o concurso atual, tendo sido fixadas apenas 8 questões para a matéria (enquanto Administração Geral e Pública somam 16 questões e Fluência de Dados, disciplina que nunca foi cobrada previamente, figura com 10 questões). Ademais, houve a exclusão de todo o tópico de Contabilidade Avançada, cobrado (à exceção de 2005) em todos os concursos dos últimos 20 anos, bem como do tema de Análise das Demonstrações Contábeis, presente previamente em 13 dos últimos 27 certames (praticamente metade do total).
3) Diferentemente dos certames anteriores, que apresentavam diferenças de conteúdo programático entre várias matérias cobradas para Auditor-Fiscal e outros cargos, no concurso público atual, praticamente fixou-se o mesmo conteúdo para as duas carreiras abarcadas pelo edital, o que contraria, parafraseando as palavras proferidas pelo procurador-geral da República em 2016, a “distinção substancial” que “traduz atribuições excludentes” e reforça “sua ontológica diferenciação, decorrente de suas atribuições, não da escolaridade exigida” (Manifestação PGR nº 223.501/2016 – ADI nº 5.391/DF). Lembremos que, nos termos da Constituição, a estruturação dos concursos públicos deverá ser feita “de acordo com a natureza e a complexidade do cargo” (art. 37, inc. II).
Por todo o exposto, o Sindifisco Nacional conclui que, não obstante a premente necessidade de promover uma recomposição mínima do corpo funcional do órgão, viabilizando inclusive a necessária remoção dos colegas que estão há anos lotados em unidades de difícil provimento, a forma de condução do presente certame, que culminou na publicação do Edital RFB nº 1/2022, foi eivada de vícios que comprometem a valorização do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e a almejada seleção dos candidatos mais aptos a exercer as atribuições da carreira, demonstrando mais uma vez o descompasso entre a visão da cúpula do órgão e as necessidades reais do Estado Brasileiro, do Fisco Federal e de suas autoridades públicas.
Propomos, assim, a seguinte reflexão: como exigir que tenhamos uma Receita Federal conduzida pelo sentimento republicano e pautada em um trabalho sério, especializado e de excelência quando o processo de seleção para os Auditores-Fiscais do órgão se mostra tão falho? Um dos maiores erros já realizados na formatação de um certame se deu em 2005, quando lançou-se um edital que concebeu, sem qualquer lastro legal, a figura do Auditor-Fiscal de Tecnologia da Informação, sem incluir disciplinas básicas ao exercício do cargo como Contabilidade Geral e Comércio Internacional (esta última, outra matéria lamentavelmente excluída no concurso deste ano, mesmo estando presente nos certames da área fazendária ininterruptamente desde 1996).
Coincidência ou não, um dos selecionados no fatídico concurso de 2005 logrou êxito em assumir, desde o início do presente ano, a titularidade da Subsecretaria de Gestão Corporativa da Receita Federal, estando à frente da confecção do edital sob escopo, o que demonstra que o círculo vicioso que intenta criar autoridades fiscais que não estão preparadas para lançar, autuar, desembaraçar, decidir e julgar tende a se retroalimentar, cabendo a todos nós lutarmos para interromper tal processo.
*COM INFORMAÇÕES DO SINDIFISCO NACIONAL
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